Análise da tese "Taken Out of Context American Teen Sociality in Networked Publics" de Danah Boyd

Taken Out of Context - American Teen Sociality in Networked Publics 
Autora da tese: Danah Boyd

Com o surgimento das redes socais como o MySpace e o Facebook, os jovens americanos começaram a adotar estes espaços como contextos onde desenvolvem a sua identidade através da socialização como os seus pares. Práticas diárias dos adolescentes como fofocar, namorar, partilhar informação, divertir-se, passam a ser realizadas nestes novos contextos. A quando desta investigação, eram ainda quase só os adolescentes que utilizavam estas redes sociais e era notório o medo instalado na população adulta relativamente ao uso destes espaços pelos mais jovens. Esta investigação documenta um estudo etnográfico, durante dois anos e meio. realizado junto de adolescentes americanos que utilizavam redes sociais online.  O estudo focou-se na tentativa de compreender a participação destes nas redes sociais, tendo por base 3 grandes áreas de estudo: a autoapresentação; a socialização entre pares e a negociação destes com a sociedade dos adultos. A análise centra-se na tentativa de compreender como as redes sociais são um contexto público que simultaneamente é (1) um espaço construído através de uma rede tecnológica e (2) uma comunidade imaginária que emerge como resultado da interação entre pessoas, tecnológica e práticas.
Neste estudo, a investigadora verificou que nas redes sociais online observam-se muitas das práticas observadas no mundo presencial. Outras características como a persistência, busca de replicabilidade dinâmicas inerentes aos públicos invisíveis, a não existência de contextos fixos e a indefinição entre o que é público e privado, são algumas das características inerentes a estes novos espaços online e, que são abordados neste estudo.  Assim, verifica-se que apesar da tecnologia estar a reformular a vida pública, o envolvimento dos adolescentes nas redes sociais online está também a reconfigurar a própria tecnologia.

1- Objetivo do estudo

Neste estudo a autora tentou compreender a participação dos adolescentes americanos nas redes sociais, tendo por base 3 temáticas a analisar:  a autoapresentação; a socialização entre pares e a negociação destes com a sociedade dos adultos.

2- Opção Metodologia


Boyd optou por um estudo etnográfico porque considera que esta metodologia é aquela que melhor consegue captar as práticas culturais dos contextos de vida quotidiana.


Esta metodologia baseia-se principalmente na observação participada, em entrevistas qualitativas e na análise de artefactos culturais. Como método a etnografia não se foca nas características e crenças individuais dos sujeitos, mas sim na complexidade e interdependência das práticas e normas culturais. Assim, a autora optou por este tipo de metodologia como forma de estudar e mapear as práticas e dinâmicas culturais dos adolescentes americanos no uso de redes sociais online.

Boyd apresenta uma posição discordante relativamente a outros investigadores que têm analisado as comunidades online como contextos isolados. Contrariamente, ela considera que para se compreender realmente as práticas sociais, existe a necessidade de se analisar a relação entre as práticas realizadas nestas comunidades com outros contextos de vida dos participantes, quer virtuais, quer offline. A autora considera que os atuais contextos mediados por tecnologia, vieram romper com a conceção tradicional de espacialidade e, por isso, é premente que os etnógrafos repensem qual a melhor forma de transitar  entre esses diferentes espaços. Mesmo noutros estudos etnográficos já realizados em contextos multi-situados, os investigadores focalizaram os seus estudos principalmente num só espaço mediado por tecnologia, relacionado os outros contextos com esse. Neste caso, o objetivo de Boyd foi iniciar o seu trabalho de campo a partir de vários ângulos, atravessando uma multiplicidade de abordagens.

3- População- alvo

A população- alvo deste estudo foram adolescente residente nos Estados Unidos da América, que tenham algum acesso(mesmo que muito restrito) à internet.


4 - Métodos de Recolha de dados


4.1. Dados e observações online

Neste estudo a investigadora examinou mais de 10.000 perfis de adolescentes nas redes sociais online e salvou manualmente 1000 perfis públicos representativos, para análise aprofundada.
Durante o processo de entrevista aos adolescentes, frequentemente Boyd visualizou os seus perfis nas redes sociais, quer com eles durante o processo de entrevista ou posteriormente à realização desse procedimento. Utilizou estes perfis com o objetivo de compreender como estes se apresentam online. Durante o processo de entrevista, muitas vezes, a investigadora falava sobre os seus perfis na rede, com o objetivo de tentar compreender qual a perceção destes jovens relativamente à sua autoapresentação online.

A autora não interagiu com a maioria dos adolescentes que observou online, mas continuou regularmente a contactar com aqueles que lhe abordaram ou que tenha conhecido presencialmente . Alguns destes tornaram-se comentadores regulares do seu blog, fornecendo informações adicionais sobre as práticas dos adolescentes.  Em 2007, a autora contratou um dessesadolescentes (agora já jovem universitário), para a apoiar na recolha de informação em várias redes online  (LiveJournal, Xanga e MySpace) relativamente a como os jovens abordam a temática do uso das  redes socais online. Neste processo, recolheram mais de 200 posts que serviram para complementar a informação recebida nas entrevistas.

4.2. Entrevista

Foram realizadas  94 entrevistas a adolescentes de 10 estados dos EUA. Destas  50% foram realizadas a jovens residentes em grandes cidades; 25% de cidades médias e 25% de pequenas cidades;  57% eram do sexo feminino e 43% masculino; a amostra foi multi-étnica (25% eram bilingues) e socioeconómicamente diversificada. A amostra foi obtida de várias formas, principalmente tendo por base uma rede de conhecimentos pessoais de adultos e/ou organizações locais que tentaram sinalizar adolescentes dessas  mesmas comunidades. A aplicação da entrevista semiestruturada  durava  entre uma e  quatro horas (em média 90 minutos a 2 horas).

Metade destas entrevistas foram realizadas a pares. Tendo em conta a sua experiência em investigações anteriores, Boyd considera que quando o entrevistado e o entrevistador têm diferenças etárias consideráveis, a entrevista a pares ajuda os entrevistados a se sentirem mais confortáveis. Estas geralmente duram mais tempo e possibilitam  a obtenção de maior  detalhe na narração dass práticas diárias. Já no que se refere às informações relacionadas com os seus comportamento em  casa, Boyd observou que os adolescentes são mais detalhados nessas narrações quando são entrevistados individualmente.

4.3.Trabalho de campo em contextos menos estruturados
Para além das entrevistas e da análise dos perfis online, a autora foi construindo um conjunto de informação através de contactos menos formais com adolescentes, por exemplo: com filhos de amigos, tornando-se voluntária numa organização que trabalha com jovens em risco, contactando com jovens em aeroportos, igrejas, trabalhando com jovens de associações ativistas, etc.

 Boyd é atualmente uma das especialistas da área das tecnologias mais conhecidas nos Estados Unidos e esse conhecimento foi surgindo durante a fase do seu estudo de doutoramento, onde progressivamente foi convidada para ir à TV, Radio e jornais, assim como, a conferências, etc. Isso fez com que muitos jovens contactassem com ela e, assim, recolhesse mais informações, dúvidas etc. 




4.4.Dados Externos

Para além dos dados recolhidos no processo etnográfico, muita informação que serviu de complemento a esta investigação de uma forma mais holística para contextualizar a informação recolhida, foi obtida através de contactos informais com políticos, especialistas em segurança, professores, encarregados de educação, trabalhadores sociais, produtores de recursos tecnológicos, etc. No caso específico do MySpace, esta empresa compartilhou com a investigadora alguns dados de acesso mais restrito. Durante este estudo Boyd colaborou com outros investigadores que estavam a realizar estudos relacionados, conseguindo assim informação complementar útil para esta investigação.   

5. Preocupações Éticas

As questões éticas são bastante patentes nesta investigação. A autora esteve dois anos parada à espera  de uma autorização do instituto americano que regula a  proteção de participação de seres humanos em investigações.

Após essa aprovação, a investigadora teve em mente duas questões éticas:
1. Se o conteúdo no MySpace é público, será que eu devo ter o direito a o utilizar na investigação?
2. Se eu tiver acesso a conteúdo privado, mas publicado nas redes socais, sem a consciência das pessoas envolvidas, como é que eu devo incorporar essa informação nos dados recolhidos?   

A convergência do que é público e do que é privado, esteve sempre na mente da investigadora durante este estudo. Mesmo quando o conteúdo é público, nem sempre os adolescentes têm consciência disso. A autora demostra  preocupação pelo facto de verificar que muitos dos adolescentes não tinham ideia de que várias pessoas observavam os seus perfis devido à possibilidade de invisibilidade nestas comunidades. Por isso, muitos investigadores consideram que não basta os dados serem públicos para se poder investigar, importa também ter em consideração o conteúdo e o contexto onde se encontra essa  informação. Tendo por base esta premissa, Boyld tentou ser muito cautelosa a utilizar os dados relativamente aos perfis públicos das redes sociais. Assim, sempre que na escrita da tese deu exemplos, tentou alterar parte do texto, de forma a não identificar o adolescente - apesar do conteúdo  ser público, não significa que seja para ser lido por todas as pessoas (analisando o conteúdo de um post, facilmente se compreende se o objetivo inicial do adolescente era tornar essa informação completamente pública ou apenas tinha como foco de audiência os seus pares). Sendo fácil encontrar a informação publicada na internet (copiar/colar), Boyd decidiu que seria antiético amplificar a visibilidade de conteúdos, que  aparentemente não tinham sido produzidos pelos jovens para serem lidos por uma audiência alargada.

Por outro lado, nesta investigação Boyd  experienciou uma situação caricata relativamente aos dados que ia recolhendo: sempre que verificava que os adolescentes restringiam os dados dos seus perfis ela sentia contentamento pela consciência e autoproteção destes jovens, mas simultaneamente, passava a ter maior dificuldade em recolher dados para o estudo. 
Mesmo tendo a autorização para recolher dados não públicos na rede social MySpace ou diretamente através dos adolescentes entrevistados, por razões éticas, Boyd optou por só utilizar os perfis públicos nesta investigação.  

Neste vídeo Boyd indica as estratégias relativas à privacidade utilizadas pelos adolescentes na utilização das redes sociais:

6. Conclusões

Apesar das inovações tecnológicas, segundo Boyd, os adolescentes continuam a ter cognições e práticas muito semelhante às que tinham adolescentes das gerações anteriores à era digital. Os adolescentes continuam o complexo trabalho de desenvolver a identidade, em contextos de vida socialmente muito limitados: escola -família - organizações religiosas (tipicidade de alguns estados dos EUA).   A maioria ainda tenta ser validado pelos seus pares e, assim ganhar um status social, lutando por uma maior aceitação por parte dos adultos que os rodeiam.

Apesar de existirem muitas semelhanças com as gerações anteriores, as redes sociais online obrigaram os jovens a criar estratégias para lidar com estas novas formas de relacionamento social. Por exemplo, a tecnologia pode amplificar os dramas sociais, já que a identidade é moldada pelas escolhas dos seus pares na forma como se mostram online.

As redes sociais online não são narradas pelos jovens como inerentemente atraentes, mas antes como espaços de participação coletiva. Não é por isso a tecnologia que motiva a participação, mas sim a presença dos amigos, colegas ou conhecidos. Quando questionados, os adolescentes relatam preferir conviver em espaços físico sem supervisão parental, do que nas redes sociais - mas esta é muitas vezes a única alternativa, tendo em conta, às limitações de mobilidade impostas pelos progenitores.  
Parece por isso existir duas práticas diferenciadas de uso das redes sociais digitais pelos adolescentes: aqueles que têm restrições parentais em socializar em contextos presenciais e aqueles que não têm essas restrições. Os primeiros utilizam o contexto online para passar o tempo (como substituição desses outros contextos), os que não têm restrições usam mais estes recursos como forma de partilhar informações, vídeos ou para realizar contactos entre os encontros presenciais.
Se para os adultos, as redes sociais obrigaram a uma reaprendizagem de como se devem comportar em público, já para os adolescentes, as redes sociais, não são mais do que um dos contextos de vida pública e, por isso, a forma de se comportarem neste contexto faz parte integrante do continuo de aprendizagem de como se comportar em público.  

A apresentação do Self perante os outros continua a ser essencial e as audiências são muito importantes para os adolescentes. 


Apesar dos espaços públicos físicos ainda serem importantes como forma de marcação de posição identitária social dos adolescentes, quanto maior são as limitações de acesso a estes espaços, maior é essa transmissão nas redes sociais online. Para a maioria dos adolescentes o espaço privilegiado para se ver e ser visto é a escola, mas tendo em consideração que o tempo dedicado ao ócio neste espaço ser cada vez mais reduzido, os espaços virtuais passam a ser um local para continuar esse contacto com os seus pares.
Segundo a autora, neste estudo as redes sociais online servem principalmente como uma extensão da escola, fornecendo uma oportunidade de associar a estes grupos outros colegas de outros contextos como organizações religiosas, de acampamentos, etc. 

Estas redes, também permitem que  adolescentes marginalizados e ostracizados tenham outras opções de relacionamento. Quanto mais os adultos tentam cercar/controlar/ vigiar/ reduzir os contextos de socialização dos adolescentes, mais estes tentam encontrar novos espaços e contextos de conexão com os outros, já que o ampliar as redes de relacionais e de socialização faz parte integrante do desenvolvimento identitário do adolescente. Estes tentam procurar estatuto e validação, conectando-se com outras pessoas que, aparentemente, compartilham interesses semelhantes. Estas audiências existem quer nos contextos presenciais, quer nas redes socais online. 

Os adolescentes procuram nas redes socais a possibilidade de se ligar com um imprevisibilidade de públicos, justamente aquilo que mais faz temer os adultos que preferem ambientes mais controlados. Segundo a autora, a demonização das redes sociais pelos adultos, ocorre porque são contextos que estes não conseguem controlar as audiências, tal como acontecia anos antes noutros contextos não virtuais.
Esta limitação de acesso, pode produzir resultados inversos, para Boyd, os jovens que estão mais limitados no acesso às redes por parte dos seus pais têm maior dificuldade em transitar para a vida adulta, sendo mais infantis, dependentes e pouco ativos civicamente.




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